Siddhartha Gautama
Por volta do século quinto ou sexto antes de Cristo, nasceu Siddhartha Gautama, em Kapilavastu, no sopé do Himalaia. Era filho de Sudhodhana, rei da casta dos Sákyas, e deveria por obrigação herdar o trono paterno. Sete dias após o nascimento, a mãe de Siddhartha morreu. Foi então criado pela tia Mahaprajapati Gautami, irmã da mãe. Sabendo do nascimento do Príncipe, o ermitão Asita, que vivia nas montanhas próximas, decidiu visitá-lo no palácio. Percebendo a aura iluminada da criança, Asita, aos prantos, revelou aquilo que acabava de prever: "O pequeno príncipe, se permanecer no palácio, após a juventude, tornar-se-á um grande rei e governará o mundo. Por outro lado, se abandonar os prazeres do mundo e ingressar na senda mística, tornar-se-á um Buddha, o Salvador do Mundo". Siddhartha apresentava também os 32 sinais no corpo, que revelava as condições indispensáveis para se tornar um Buda. Profundamente tocado, o ancião Asita alegrava-se com a notícia dada, mas continuava derramando lágrimas, pois não viveria o suficiente para ouvir os ensinamentos do mestre. Mas o rei Suddhodana levou em consideração apenas a condição de Siddhartha se tornar seu herdeiro no reino de Kapilavastu.
Mas o espírito de Siddhartha era inquieto e pesquisador. Ele era dotado de uma inteligência aguda e de uma hipersensibilidade. Refletia sobre o significado da vida e do mundo, procurando a verdade por trás das coisas. Aos sete anos, o Príncipe acompanhou o pai a um passeio. Não era comum os habitantes do palácio saírem além das fronteiras, demarcadas pelos altos muros. Foi quando o Príncipe deteve-se na frente de um campo sendo preparado para a semeadura. De repente, viu no solo revolvido um verme ser devorado por um pássaro que lá descansava. Alçando vôo, este pássaro foi atacado em pleno ar por uma ave de rapina. Com o pássaro nas garras, a ave voou alto em velocidade. Mas uma flecha com ponta de metal foi disparada, cortando o azul do céu para atingir o peito da ave de rapina. Siddhartha manteve-se por algum momento em transe, sem entender. Depois, ficou chocado pelo que acabara de assistir, enquanto procurava uma resposta plausível para a indagação: "O que leva os seres vivos a se matarem entre si?".
Este fato o fez lembrar que sua mãe morrera quando ele nasceu. Não conseguia entender a tragédia que assolava a vida de todos os seres. "Ninguém estava livre do sofrimento", pensou.
Sendo príncipe de uma casta guerreira, era também um bom atleta. Foi assim que, aos 16 anos, ganhou a mão de sua prima, Yasodhara, (com quem se casou e teve um filho) em um tipo de jogo da época, que correspondia aos jogos olímpicos de hoje (Consistindo de luta, arremesso de lanças, pedras, etc).
Ele foi tutorado por mestres cuidadosamente escolhidos de todos os campos do conhecimento e das artes, tradicional à realeza Indiana da época, e se excedeu tanto em seus estudos que acabou se tornando um professor de seus próprios tutores. Seu pai o cobria com confortos e o mantinha sempre na companhia de jovens. O próprio rei era forte, bem conservado. Tinha três palácios para morar: um de inverno, outro de verão e outro para a primavera. Toda vez que ia passear na cidade, o pai mandava limpar a cidade, enfeitar as casas e tirar os velhos e doentes das ruas. Seu quarto sempre recendia aos mais delicados perfumes, as roupas eram feitas do melhor tecido de Kashi, e contava com os favores sexuais de inúmeras cortesãs.
Mas, vez ou outra, os olhos do príncipe perdiam o brilho e o pensamento dirigia-se para os problemas da vida, que continuava afligindo-o. Naquele momento, Siddhartha sentava-se sob uma árvore a fim de entender o significado desta vida tão injusta. Os criados preocupavam-se com a atitude estranha do príncipe, que solitário apenas mantinha-se em posição meditativa, sem ao menos se mexer. Quando entardecia, a sombra das árvores mudava de posição, menos a da árvore sob a qual o príncipe posicionava-se. Era um fenômeno para o qual ninguém conseguia dar uma resposta conclusiva. Sua natureza profundamente introspectiva o levou a ser apelidado de Sákyamuni (o sábio silencioso dos Sákyas). Freqüentemente se afastava da companhia de seus amigos e família para se sentar calmamente nos jardins que circundavam o palácio.
Sentindo que seu filho crescia insatisfeito com uma vida luxuosa, e temendo que a profecia sobre ser Buda pudesse se realizar (o que conseqüentemente terminaria com a linhagem real), o Rei ordenara que ele vivesse uma vida em total isolamento, sem poder jamais deixar as dependências do palácio.
Um dia resolveu sair sem avisar ao pai, sem as pompas de costume, acompanhado somente com o seu fiel escudeiro, Channa, pelas ruas estreitas de Kapila. Então ele conheceu a cidade como realmente era, sem os enfeites e as festas. Estavam vestidos com roupas simples e ninguém os reconheceu. Então viram um homem andando com dificuldades, apoiado num bastão, cabelos brancos e ralos, a pele toda enrugada. Este homem estava sendo ultrajado por um mais jovem. Siddhartha ficou impressionado e perguntou ao fiel escudeiro: - Que há com aquele homem? - É um velho, senhor. - Respondeu o servo - Todos nós um dia também seremos assim, se vivermos muito. As pessoas idosas são descartadas do convívio social. Acham que elas não têm mais valor. Pode ser injusto, mas é desta forma que sempre aconteceu.
Vivamente impressionado, continuou o passeio. Mais adiante viu um homem fraco, cheio de feridas e pústulas, as moscas voando em cima e a expressão do rosto do homem era de dor, sofrimento. - Que há com aquele homem? - Tornou a perguntar. - Ele está doente, senhor. É a sorte de quem não cuida da saúde e não se alimenta bem, sofrendo assim das fraquezas da carne. - Isto pode acontecer com qualquer um? - Todos estão sujeitos a passar pela mesma coisa. - Disse o servo.
Continuando a excursão, ele viu a procissão de um enterro. Era tão grande o pesar das pessoas, todos tão tristes, muitos choravam, e uma pessoa inerte ia sendo carregada pelos demais. Adiantando-se à pergunta do Príncipe, Channa arrematou: - É a morte.
Sem tempo para ordenar as idéias, Siddhartha quis abandonar o local, quando, de maneira abrupta, uma nova cena saltou aos olhos. Viu um homem esfarrapado e esquelético que, apesar de pedir esmolas com uma tigela, mostrava o olhar sereno de um vencedor. - Aquele é um homem santo. Não se deixa mais arrastar pelas paixões mundanas. Ele parece ter entendido o significado da vida. - Disse Channa. O monge mendicante tinha a cabeça raspada e vestia apenas um manto amarelo. Foi na serenidade desse monge que Siddhartha percebeu que existia uma saída que conduzia ao despertar.
Siddhartha quis então descobrir o segredo dessa serenidade e doá-la ao mundo. Regressando ao palácio, informou ao pai sobre sua disposição, mas o rei tentou detê-lo, colocando guardas em todas as portas do reino. Passou então a meditar no que tinha visto. Entristecido, perdeu o apetite e não comeu.
Ele refletiu que os ignorantes, embora fadados a ficarem velhos, doentes e morrerem, desprezam e abominam aqueles que estão passando por esta situação. Se todos nós passaremos por tudo isso, não é correto que tenhamos repulsa ou desprezo pela velhice, pela doença ou morte de outrem. Quando passou a pensar desse modo, desapareceu de Siddhartha todo o orgulho que sentia pela sua juventude, saúde e vida.
Aos 29 anos, decidiu abandonar de vez o palácio e partir para o mundo em busca do conhecimento que o libertasse do sofrimento e conduzisse à serenidade. Beijou de leve - para não acordá-los - a sua esposa Yasodhara e seu filho Rahula, que havia acabado de nascer. E, mais uma vez, parte com o seu fiel escudeiro, montado no seu cavalo Kantacha. Na fronteira da cidade, o príncipe se despojou de sua roupa, de seu turbante real e de sua espada - cujo punho era adornado de pedras preciosas - entregando estes objetos ao fiel cocheiro e pedindo-lhe para que os devolvesse ao seu pai. Siddhartha raspou a cabeça, cobriu seu corpo com um manto amarelo (como convinha a um monge mendicante que pretendia ser), e então despediu-se de seu escudeiro e do seu cavalo, e partindo a pé em busca de uma resposta para as aflições do mundo.
Iniciando sua vida religiosa, ele viajou em direção ao sul e ficou em Rajagriha, capital do reino de Magadha, onde se dedicou à prática com o seu primeiro mestre, Alara Kalama, que havia atingido "os domínios do nada" através da meditação. Siddhartha atingiu logo o mesmo estágio porém não ficou satisfeito pois não encontrou a resposta que procurava. Seguiu um outro mestre, Uddaka Ramaputta, que havia atingido "os domínios além do pensamento". Sakyamuni tornou-se mestre desta forma de meditação, mas continuava insatisfeito. Esses dois primeiros mestres não conseguiram auxiliá-lo a encontrar o que procurava.
Siddhartha abandonou os dois mestres da meditação e foi refugiar-se na floresta de Uruvela, cortada pelo rio Nairanjana. Lá encontrou os ascetas Sadus, e com eles praticou o ascetismo, com grande rigor, por aproximadamente seis anos.
Um belo dia, ouviu um barqueiro que passava no rio ensinando música à seu discípulo; dizia que as cordas de um instrumento, se muito frouxas, não emitiam um som adequado, e se muito esticadas, elas arrebentavam. Naquele momento ele percebeu que as austeridades físicas não eram o caminho para se alcançar a liberação. Que a privação excessiva debilitara seu organismo e o impossibilitara de meditar como deveria, afastando-o cada vez mais de seu verdadeiro objetivo, pelo qual havia renunciado à vida mundana.
Passando por lá, uma jovem pastora de nome Sujata ofereceu-lhe uma tigela de leite coalhado. Com gosto, Siddhartha aceitou, quebrando o seu jejum. Seus 5 companheiros acharam então que ele era um fraco, por entenderem que ele já não estava mais resistindo à tentação, e retiraram-se então do seu convívio. Mas antes, ouviram de Siddhartha uma explicação: Apontando o dedo para o rio Nairanjana, disse "Veja aquele rio. Sua correnteza corre em ritmo normal. Ela nunca se adianta e nem se atrasa. Ela apenas corre. Nós temos que ser como aquele rio."
Abandonado à própria sorte, Siddhartha resolveu iniciar um novo período de meditação, sem se deixar abater pelo desânimo: "Mesmo que o sangue se esgote, mesmo que a carne se decomponha, mesmo que os ossos caiam em pedaços, não arredarei os pés daqui, até que encontre o caminho da iluminação".
Sentando em posição meditativa (conhecida hoje como Zazen), esvaziou o pensamento e não deteve-se em forma alguma de apego.
Diz a lenda que Siddhartha permaneceu assim por vários dias, sob a sombra de uma figueira, nas margens do rio. Então, uma luz começa a brilhar no meio de sua testa. Mara, o Grande Tentador, estremeceu: ele sabia que seu poder para desvirtuar a humanidade estava ameaçado. Durante a noite, muitas distrações surgiram para Sakyamuni: sede, luxúria, descontentamento e distrações de prazer. E ao longo de sua concentração meditativa, ele foi tomado por visões de incontáveis exércitos de demônios atacando-o com as mais terríveis armas. Mas, por causa de sua meditação indestrutiva, ele pôde converter a negatividade em harmonia e pureza, e as flechas lançadas contra ele se transformaram em flores. Algumas filhas de Mara apareceram, como belíssimas mulheres, para distraí-lo ou seduzí-lo (luxúria). Outros assumiram formas de animais ferozes (medo). Mas seus rosnados, ameaças e qualquer outra tentativa foram em vão para tirar Sakyamuni de sua meditação. Sentado em um estado de total absorção, ele alcança todos os graus de realização incluindo total onisciência, adquirindo o conhecimento de todo o seu ciclo de mortes e renascimentos. Finalmente, Mara tentou tirá-lo de sua meditação pelo ataque ao ego. Rugiu: "Quem pensas que és? Com que direito procuras pela Suprema Iluminação? Quem é tua testemunha?" Gautama silenciosamente estendeu a mão direita para tocar a terra, que estremeceu e gritou de suas entranhas "Eu sou tua testemunha".
Uma chuva caiu de um céu totalmente sem nuvens em resposta à sua suprema conquista. Então uma serpente Naja gigante (conhecida por Naga) postou-se atrás e acima da cabeça de Gautama, para que os pingos da chuva não atrapalhassem sua meditação.
Finalmente, na manhã de lua cheia de dezembro, no momento em que olhava o planeta Vênus brilhando no céu oriental, ele obteve a perfeita Iluminação. Percebeu então que toda a realidade é uma só. Que, no Cosmos, todos os seres estão harmoniosamente unidos. Que nada existe por si mesmo, nem pode a natureza de alguma coisa ser conhecida senão conforme se relaciona com o Cosmos. Com a luz do Cosmos, a consciência se torna iluminada. E então, aos 35 anos, Siddhartha tornou-se Buda. E disse assim de sua experiência:
"Existe uma esfera onde não é terra, nem água, nem fogo, nem ar... que não é nem este mundo e nem outro, nem sol e nem lua. Eu nego que esteja vindo ou indo, que permanece e que seja morte ou nascimento. É simplesmente o fim do sofrimento. Essencialmente todos os seres vivos são Budas, dotados de sabedoria e virtude, mas como a mente humana se inverteu através do pensamento ilusório, não o conseguem perceber".
Todos os seres humanos, sejam eles inteligentes ou estúpidos, masculinos ou femininos, feios ou bonitos, são perfeitos e completos tal qual são. Isto significa que a natureza de cada ser é intrinsecamente sem defeito, perfeita, sem diferença de qualquer outro Buda ou Mestre Cósmico. Entretanto o homem, inquieto e ansioso, vive uma existência conturbada por causa de sua mente, que traz uma pesada camada de ilusão, o que gera o estado de confusão. Temos, portanto, de voltar à nossa perfeição original e ver o TODO, o Cosmo, através do prisma da nossa pureza e santidade primordiais. Afinal, "o homem nasce em perfeição de alma, porém em ignorância mortal, e somente dessa ignorância deve o homem ser redimido e salvo". E é exatamente isso que todos os budistas procuram alcançar - nesta vida e em outras. "Por meio de esforço e método, é possível alcançar a iluminação nesta vida" afirma o lama nepalês Dzawa Rimpoche (o atual Dalai Lama). "Mas, se você não conseguir fazê-lo, a morte não é o fim. Você terá, ao renascer, todas as sementes plantadas na vida anterior".
Durante os sete dias (outra versão diz ter sido cinco semanas) após sua iluminação, Sakyamuni permaneceu sentado no mesmo local, gozando as alegrias de sua libertação. Foi onde meditou sobre a Lei da Organização Dependente:
"Havendo isto, há aquilo; quando isto se origina, aquilo se origina. Sendo assim, havendo a ignorância, há o nome-e-forma. Havendo o nome-e-forma, há os seis órgãos de percepção, há o contato; havendo o contato, há a percepção; havendo a percepção, há o apego; havendo o apego, há o desejo; havendo o desejo, há a existência; havendo a existência, há o nascimento, há a velhice, a morte, a preocupação, a tristeza, o sofrimento, o pesar e o desespero. Assim, pois, surge o sofrimento".
Ele entendeu que todas as coisas estão inter-relacionadas e interagindo, e uma coisa dá origem à outra, e essas coisas estão sempre mudando, nada permanece para sempre. Tudo é impermanente e, se as pessoas se apegarem demais às coisas vão sofrer, porque essas coisas vão mudar, passar e se acabar. A causa do sofrimento é o apego, seja a um objeto, a um pensamento ou idéia, a uma condição social, à fama, etc. E isto é uma lei universal; a esse encadeamento, esse conjunto de leis cósmicas que estão entrelaçadas e formam um fluxo pelo qual seguimos, os hindus chamam de Dharma (Dhamma, na língua Pali). É seu Dharma morrer, pois você nasceu. O que você veio fazer é chamado de Artha, sua meta de vida, o que você deve fazer. E Karma (Kamma) é a ação que você faz.
Após compreender todas essas coisas, resolveu ensinar o que aprendeu a outras pessoas que vivem buscando a iluminação. Seus primeiros discípulos foram seus cinco companheiros de ascetismo. Ensinou-os o óctuplo caminho, o caminho dos oito ramos, composto de: Visão correta, Pensamento correto, Palavra correta, Ação correta, Vida correta, Esforço correto, Intenção correta e meditação correta.
Quando Buda chegou no Parque das Gazelas, para encontrar seus companheiros, estes fingiram indiferença. Haviam combinado não se levantar para cumprimentá-lo e só falar com ele no caso de serem interpelados. Interpretavam a renúncia de Siddhartha ao ascetismo como um sinal de fraqueza e agora só lembravam dele com desprezo. Mas o semblante do iluminado estava em uma paz profunda, sem o menor sinal de arrependimento ou frustração, que automaticamente os cinco se levantaram e o saudaram. Buda então lhes perguntou: - Por que vos levantastes para me cumprimentar? Não tínheis combinado ficar indiferentes?
Os cinco começaram a se sentir pouco à vontade: - Estás cansado, Gautama? - Perguntou um deles - De agora em diante, não me chameis mais pelo nome. Eu agora sou o Buda, o Desperto, o Pai de todos os seres.
Kyojinnyo, um dos ascetas, muito admirado, disse: - Quando vos transformaste em Buda? Se abandonaste o ascetismo por não consegui-lo, como tereis então alcançado a iluminação? - Kyojinnyo, não podes julgar minha iluminação com espírito acanhado. O sofrimento físico traz perturbação à mente. O conforto físico traz apego às paixões. Nem o ascetismo, nem o prazer permitem realizar o Caminho. É preciso abandonar esses dois extremos e seguir o caminho do meio. Este é o Óctuplo caminho. Aquele que praticá-lo alcançará a paz espiritual e se livrará dos tormentos do nascimento, da velhice e da morte. Eu pratiquei o Caminho do Meio e obtive a iluminação.
As palavras de Buda encheram os cinco de grande alegria. Vendo que eles já estavam preparados para a verdade, prosseguiu: - Como sabeis, a vida é plena de sofrimento: sofrimento de nascer, de envelhecer, adoecer e morrer. Há ainda o sofrimento da separação dos entes queridos, o sofrimento de ser obrigado a permanecer ligado a algo que se detesta. Muitos outros há ainda. Enfim, todos os seres vivos estão sujeitos ao sofrimento.
Os cinco concordaram com a palavra de Buda, que prosseguiu: - A fonte deste sofrimento é a idéia de existência de um "eu" substancial. Todos os seres que se deixam prender à idéia de um "eu" tornam-se sujeitos a tais sofrimentos. O desejo, a cólera e a ignorância são também causados pelo "eu". Estes três venenos são a origem de todos os sofrimentos. Se eliminarmos a idéia do "eu", o desejo, a cólera e a ignorância, os sofrimentos cessarão. Esta é a Nobre Verdade da Cessação do Sofrimento. Para se obter a cessação, é necessária a prática do óctuplo caminho. Esta é a Nobre Verdade do Caminho da Cessação do Sofrimento.
Após ouvir estas palavras, os cinco decidiram tornar-se discípulos de Buda. Mas Buda não pretendia formar nenhuma religião, nem ter seguidores adorando ele. Até porque ele pregava a libertação de todas as cosias. Ele mesmo dizia: "O verdadeiro culto não consiste em oferecer incenso, flores e outros objetos materiais, mas em esforçar-se para seguir o mesmo caminho daquele que se venera".
Dizia também:
O eu é o mestre do eu; que outro mestre poderia existir? Puro ou impuro cada um o é por si mesmo; ninguém pode purificar outrem. Sede vós mesmos vossa bandeira e vosso próprio refúgio. Não vos confiei a nenhum refúgio exterior a vós. Apegai-vos fortemente à verdade. Que ela seja vossa bandeira e vosso refúgio. Aqueles que assim o fizerem atingirão a meta suprema.
Depois de muito tempo de pregação, vendo que a ordem dos monges (Sangha) estava muito grande, Siddhartha instruiu seus seguidores a pregarem a verdade em suas próprias terras. Ele próprio visitou a sua terra e seu povo, os Sákyas: Seu pai sofreu muito ao vê-lo, pelas janelas do palácio que havia abandonado, pedindo esmolas. Mas Siddhartha beijou os pés do pai em um gesto de extrema humildade. "O senhor pertence a uma linhagem de reis, mas eu pertenço a uma de Budas, que também viveram de esmolas", disse. O rei se lembrou da profecia que foi feita no nascimento do filho e se reconciliou com ele.
Reza a tradição que, ao encontrar sua família, Yasodhara (sua ex-esposa) fez com que Rahula (o filho) exigisse uma herança de seu pai. Silenciosamente Siddhartha entregou-lhe um manto e uma escudela (cuia ou tigela), fazendo-o assim um membro da ordem. Com esse gesto, o Bem-aventurado demonstrou que a melhor herança que ele podia conceder a seu filho eram os tesouros da senda que leva a mais alta felicidade.
Para evitar a manifestação do orgulho e do apego, os monges não tinham nada e mendigavam o alimento, comendo o que lhe dessem. Todos os monges da Ordem de Buda tinham um código de vivência, que tinha que ser seguido por todos. São os Cinco Preceitos fundamentais, que até hoje são seguidos pelos Budistas:
1. Eu me comprometo a não matar. 2. Eu me comprometo a não tomar nada que não seja dado voluntariamente por outrem. 3. Eu me comprometo a não me entregar aos prazeres proibidos. 4. Eu me comprometo a não dizer nada de falso e a não dizer a verdade em ocasiões inoportunas. 5. Eu me comprometo a não me intoxicar com bebidas ou entorpecentes.
O príncipe negociante Anatha Pindilla se converteu ao budismo, adquiriu o Jardim Jetavana por um alto valor e construiu um magnífico mosteiro, convidando Buda para morar no local. O mestre fez dali a sede principal de sua ordem e os discípulos, cada vez mais numerosos, passaram a residir nos conventos oferecidos pelos ricos fiéis, em vez de permanecerem continuamente como errantes. As mulheres devem sua admissão na ordem a Ananda, primo-irmão de Buda, monge budista em Kapilavastu desde o segundo ano de prédica e, depois, confidente pessoal do mestre.
O ÚLTIMO SERMÃO DE BUDA
Aos 80 anos de idade, Buda pressentiu que morreria de intoxicação, após ingerir um alimento estragado. Com o auxílio de fiéis discípulos, viajou até Kushinagara, deitando-se sob uma árvore no bosque local, onde então Buda fez seu último discurso:
Ó discípulos; Após a minha morte, deveis vos guiar pelos Preceitos. Eles devem ser como a Luz no meio das trevas, como um tesouro encontrado por um pobre. Isso porque os Preceitos são vosso mestre. Guiar-se por eles é o mesmo que se guiar por mim.
Vós que guardais os Preceitos disciplinai vosso corpo, tomai as refeições nas horas certas, vivei em estado de pureza. Não tomeis parte nos negócios mundanos, não recorrais a fórmulas mágicas, não fabriqueis elixires miraculosos, não vos aproximeis de nobres e não tomeis atitudes para com outrem condicionadas por sua riqueza ou pobreza.
Guardai uma mente correta, tende pensamentos corretos e sede comedidos. Não recorrais a prodígios para seduzir as pessoas. Quando receberdes presentes, observai sempre o comedimento.
Os Preceitos são a fonte de libertação. Dos Preceitos saem os diversos estados de meditação e a sabedoria que leva à cessação do sofrimento.
Por isso, ó monges, guardai os Preceitos e esforçai-vos por jamais os violar. Se conseguirdes guardá-los bem, disso resultará a Boa Lei. Se não conseguirdes guardá-los bem, não aparecerão os méritos decorrentes da prática das boas ações. Por isso, deveis compreender que nos Preceitos está a Suprema Tranqüilidade e o Supremo Mérito.
Ó monges, vós permaneceis na prática dos Preceitos. Por isso, devem disciplinar seus cinco sentidos, jamais permitindo o surgimento dos cinco desejos (desejo de se alimentar, de dormir, desejo sexual, desejo de obter fortuna e desejo de conseguir honrarias e fama).
Assim como um pastor domina o rebanho com seu cajado, não permitindo que os animais invadam as plantações, deveis guardar a máxima vigilância. Abandonar os cinco sentidos ao sabor de seus caprichos é como deixar um cavalo indômito sem rédeas. Tal cavalo arrasta as pessoas e as derruba dentro de buracos. O prejuízo causado por um cavalo indômito atinge apenas o presente, mas o causado pelos cinco sentidos atinge inclusive o futuro. Por isso deveis evitá-lo. O sábio vigia seus cinco sentidos como a um ladrão. Jamais se descuida deles. Mesmo que se descuide por um instante, logo readquire o controle.
A mente é senhora dos cincos sentidos. Por isso, deveis disciplinar vossa mente. A mente é mais perigosa que uma cobra venenosa, uma fera ou um salteador. É como uma pessoa que, entretida com o mel que transporta em suas mãos, não enxerga um buraco e cai nele. Se deixardes vossa mente entregue a si mesma, perdereis as boas coisas. Se a vigiardes, tudo correrá bem. Por isso, ó monges, deveis vos esforçar e dominar a vossa mente.
Ó monges, deveis tomar vossas refeições como se elas fossem remédios. Quer quando comeis coisas deliciosas, quer quando comeis coisas desagradáveis, jamais deveis sair da proporção certa. Comei o suficiente para vos manterdes.
Recebendo dádivas alheias, tomai apenas um mínimo para eliminar vossas dificuldades. Não desejais demasiado, a fim de não romper a boa disposição de vossas mentes.
Ó monges, ainda que alguém vos fira, sedes pacientes, não tenham cólera nem ódio. Guarde vossa boca para não proferir palavras ferinas. Abandonar a cólera ao sabor dos caprichos prejudica o trilhamento do Caminho e destrói os méritos. Imensa é a virtude da paciência, muito superior à da observância dos Preceitos. Aquele que bem pratica a paciência merece ser chamado de forte, aquele que se alegra com os venenos do cavalo indômito e não sabe praticar a paciência como quem bebe néctar, não pode ser considerado um detentor da Sabedoria dos Praticantes do Caminho.
Os prejuízos causados pela cólera destroem as boas leis. São prejuízos maiores que os causados por um incêndio devastador. Nem os ladrões que nos roubam os méritos são tão terríveis como a cólera. Os próprios leigos devem se abster da cólera. Com muito mais razão, portanto, os monges, aqueles que não tem desejos, deverão se abster da cólera.
Ó monges, quando em vós se manifestar o orgulho, este deverá ser imediatamente extirpado. Nem sequer os fiéis leigos deverão deixar que o orgulho se desenvolva. Com muito mais razão, portanto, os monges, aqueles que encontraram no Caminho, que se humilham e andam pedindo esmolas para obter a libertação, deverão se abster do orgulho.
Ó monges, a lisonja está fora do Caminho, por isso deveis ser sempre sinceros.
Ó monges, aquele que tem muitos desejos busca muitas vantagens e, por isso, tem muitos sofrimentos. Aquele que tem poucos desejos nada busca e, por isso, não tem preocupações. Por esse motivo, aquele que tem poucos desejos atinge o Nirvana.
Ó monges, se desejais a libertação do sofrimento, deveis aprender a vos contentardes com o razoável. Aquele que sabe se contentar com o razoável se sente bem, mesmo que tenha de se deitar sobre a terra. Entretanto, aquele que não sabe se contentar com o razoável, mesmo nos mundos celestes permanecerá insatisfeito, por isso aquele que sabe se contentar com o razoável é rico, mesmo sendo pobre, ao passo que aquele que não sabe se contentar com o razoável é pobre, mesmo sendo rico.
Ó monges, se quiserdes procurar a calma, o desprendimento e a paz, deveis abandonar os lugares cheios de gente e viver isolados.
Ó monges, se vos esforçardes, nada será difícil. Por isso, deveis esforçar-vos. Mesmo uma pequena correnteza d'água acaba gastando uma rocha.
Ó monges, se desejais a sabedoria e a boa ajuda, deveis ter uma intenção inquebrantável, pois ela afasta as paixões e ilusões. Por isso, deveis manter inquebrantáveis as vossas intenções. Caso fraquejardes em vossas intenções, perdereis vossos méritos. Aquele que tem intensões firmes não é prejudicado, mesmo estando no meio desses salteadores que são os desejos. É como um guerreiro coberto por uma armadura, que nada tem a temer no campo de batalha.
Ó monges, todo aquele que tem uma intenção firme conserva sua mente em estado de concentração. Por isso, ele sabe os Dharmas do nascimento e da dissolução do mundo. Por isso, deveis vos esforçar e praticar as diversas concentrações. Aquele que consegue praticar a concentração não tem uma mente dispersiva. É como aquele que economiza água e guarda com cuidado. O praticante exercita-se na concentração a fim de bem guardar a água da sabedoria.
Ó monges, se tiverdes a sabedoria, não tereis apego. Examinai bem todas as coisas. Dentro da minha Lei, obtereis a Libertação. Quem não tiver a Sabedoria, não poderá ser considerado um realizador do Caminho, nem mesmo um fiel leigo. A Sabedoria é um navio seguro para a travessia do oceano da velhice, da doença e da morte. É uma luz no meio das trevas, é um elixir que cura todas as doenças, é um machado que corta as árvores das paixões. Por isso, deveis vos esforçar para a obtenção do desenvolvimento da Sabedoria.
Ó monges, deveis evitar as estéreis discussões teóricas, pois elas só trazem perturbações à mente. Mesmo os monges não lograrão alcançar a libertação, se se entregarem a elas. Por isso, deveis evitar as estéreis discussões teóricas. Caso desejais alcançar as alegrias do Nirvana, deveis afastar as estéreis discussões teóricas.
Ó monges, deveis vos afastar de toda negligência, como aquele que se afasta dos salteadores. Eu ensino a Lei como o médico que reconhece a doença e recomenda um remédio. O fato de o doente tomar ou deixar de tomar o remédio já não depende do médico. Também sou como aquele que ensina um caminho às pessoas. Se houver pessoas que, embora ouvindo os ensinamentos, não seguirem o caminho, a culpa não é daquele que o ensinou.
Ó monges, não vos entristeçais. Ainda que permanecesse no mundo durante milhares de anos, isso não me livraria da morte. Nada do que se reúne escapa à separação. Já foram ensinados todos os Dharmas que trazem proveito a quem os pratica e todos os que trazem proveito a outrem. Ainda que eu permanecesse vivo, nada mais teria que fazer. Todas as pessoas que eu devia ensinar já foram ensinadas. Quanto às que eu ainda não ensinei, já criei condições para que elas sejam ensinadas. Se vós, meus discípulos, persistirdes na prática da Lei após minha morte, meu Corpo de Lei continuará eternamente vivo.
Deveis saber que, no mundo, nada existe de permanente, tudo o que se reúne está sujeito à separação. Não vos entristeçais, pois assim é o mundo. Esforçai-vos por obter a libertação. Eliminai as trevas da ignorância com a Luz da Sabedoria. O mundo é algo perigoso e incerto, sem nada de estável. Eu agora alcançarei a extinção como aquele que se livra de uma moléstia maléfica. Vou deitar fora o pior dos males, aquilo que se chama corpo e se encontra mergulhado no oceano da doença, da velhice e da morte. O sábio que destrói isso é semelhante àquele que mata um salteador. Essa destruição deve ser motivo de alegria.
Esforçai-vos sem cessar na prática que leve à libertação. Todas as leis imutáveis e mutáveis deste mundo são isentas de garantia de estabilidade.
Permanecei em silêncio. O tempo passa, e é chegada a hora de eu me extinguir.
Esse foi meu último ensinamento
Siddhartha faleceu aos 80 anos de idade. Assim como Sócrates e Jesus, não deixou nada escrito, tendo seus discípulos se reunido 100 anos após sua morte para escrever o que haviam ouvido de seus mestres, e fizeram assim o Tipitaka, que é a "bíblia" da escola Theraveda de ensino budista.
As últimas palavras de Buda foram:
'Handa dani bhikkhave amantayami vo vaya dhamma sankhara appamadena Sampadetha'"Ó, monges! Estas são minhas últimas palavras. Tudo o que foi criado está sujeito à decadência e à morte. Tudo é impermanente. Trabalhem duro pela própria salvação com atenção plena, esforço e disciplina"